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Um  alívio  para  as  mães

Em Campo Grande, o programa Dignidade Menstrual atende mais de 8 mil estudantes da rede pública municipal cujas famílias estão inscritas no programa social Bolsa Família. Além de distribuir absorventes gratuitos, a iniciativa promove ações educativas sobre saúde e educação menstrual. Luana, Pâmela e Erika são mães que avaliaram se a iniciativa cumpre o papel e sugeriram melhorias, trazendo uma perspectiva importante sobre os avanços e os desafios que ainda existem para garantir dignidade e bem-estar a essas jovens.

 

Para Luana Souza Lopes, 27 anos, mãe solteira e beneficiária do Bolsa Família, o programa Dignidade Menstrual representa um alívio financeiro. Enfrentando diariamente os desafios de manter as despesas da casa sozinha, Luana reconhece a importância do suporte oferecido pela escola para a filha, Emily Laiane, de 11 anos, aluna do sexto ano na Escola Municipal Maria Regina. Ela destaca que o apoio proporcionado pelo programa tem sido fundamental, não apenas para Emily, mas também para muitas outras meninas da escola. "Esse programa é ótimo, sabe? Muitas vezes, as meninas não têm como comprar absorventes e as famílias também nem sempre conseguem arcar com mais essa despesa.

 

Quando elas vão para a escola e menstruam de surpresa, ter esse suporte lá faz muita diferença. Eu achei muito bom o que fizeram, porque ajuda demais essas crianças. "Ela conta que conheceu o programa Dignidade Menstrual durante a matrícula de Emily. "A moça da secretaria me explicou direitinho sobre o programa. Eu assinei um termo para autorizar minha filha a receber, tudo certinho. Ela disse que a Emily tinha direito porque somos beneficiárias do Bolsa Família," relembra Luana. Emily lembra bem do dia em que teve seu primeiro contato com o programa Dignidade Menstrual.

 

A coordenação da escola convocou algumas alunas para uma reunião na diretoria e pediu que levassem as mochilas. “Eu não sabia o que estava acontecendo”. Na sala da diretoria, a equipe da escola conversou com as meninas sobre a importância da higiene menstrual e sobre como cuidar da saúde durante o ciclo, entregando o primeiro pacote de absorventes. “Nesse primeiro momento, a coordenadora explicou o que é a menstruação e como é importante manter a higiene. Eles falam que é normal, né? E que é importante a gente tomar banho todos os dias quando a gente tá naqueles dias,” conta Emily.

Desde a reunião, Emily recebeu apenas um pacote com oito unidades absorventes. Para ter acesso a mais unidades, é necessário retirá-las diretamente na coordenação da escola. “Recebi um pacote. Disseram que, quando eu estiver menstruada, basta ir até a diretoria e solicitar outro pacote de absorventes”, explica a estudante, que destaca a rotina de buscar o material de higiene sempre que necessário.

Emily considera o programa uma oportunidade essencial para aprender sobre menstruação e acredita que orientação faz diferença para muitas meninas que não têm essa conversa em casa. “Acho o programa muito bom para meninas que têm vergonha de falar com os pais, sabe? Lá na escola, eles explicam tudo e ainda entregam o absorvente. Isso ajuda muito".Embora muitas meninas não tenham esse diálogo inicial com os pais, com Emily foi diferente.

 

Ela conta que a mãe sempre conversava abertamente sobre educação menstrual, fazendo com que o assunto nunca fosse um tabu em casa. Ainda assim, ela recorda como foi assustador enfrentar seu primeiro ciclo menstrual aos nove anos.

Apesar de sempre manter conversas abertas com a filha sobre o tema, o primeiro ciclo menstrual da estudante foi impactante. Considerando a idade, a mãe, Luana, não imaginava que isso ocorreria tão cedo. “Foi um choque para mim.

 

Quando ela me contou, minha reação imediata foi acreditar que algo grave havia acontecido, como um machucado. Fiquei muito preocupada e questionei se ela havia sido vítima de alguma violência, pois ela tinha apenas nove anos. Foi assustador”.

 

Luana relata que teve seu primeiro ciclo menstrual aos 14 anos, o que a leva a considerar precoce a menstruação da filha. Ela se recorda das dificuldades que enfrentou na adolescência ao lidar com o assunto, especialmente por morar apenas com o pai, que passava a maior parte do tempo fora de casa.

Emily Laiane, 11 anos,  sexto ano da Escola Municipal Maria Regina

“Eu também fiquei com medo. Na minha cabeça, parecia que eu tinha feito algo errado, como se tivesse me machucado ou batido em algum lugar. Só depois percebi que tinha menstruado. Mas eu não morava com a minha mãe; vivia com meu pai, que era militar. Ele passava mais tempo no quartel do que em casa. Então, não tive alguém para me orientar ou explicar o que estava acontecendo comigo”, conta Luana.

 

Ela precisou recorrer à vizinha que morava ao lado, sabendo que ela poderia oferecer a orientação de que tanto precisava.“Eu fui à casa da vizinha e contei para ela que tinha menstruado, e ela me explicou que isso era normal, que eu estava me tornando uma mocinha. Disse que eu precisaria ter mais cuidado agora, como evitar coisas que as pessoas acreditavam antigamente, tipo andar descalça para não ter cólicas, e que, se precisasse, deveria tomar remédios’’.

Para Luana, o que falta no programa é uma orientação mais abrangente, que aborde diversos temas relacionados à educação menstrual. Ela acredita que muitas meninas, assim como ela no passado, vivem apenas com o pai ou em outras situações semelhantes e acabam enfrentando a menstruação sem ter acesso às informações necessárias.

 

A escola precisa oferecer mais informações sobre isso com mais frequência, entende? Hoje em dia, as crianças passam mais tempo na escola do que em casa. Se não me engano, minha filha teve uma explicação bem básica na escola dela, e isso foi só quando ela foi buscar os absorventes pela primeira vez.

 

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Luana também destaca outra preocupação com o programa: a quantidade de absorventes disponibilizada pela escola. Até agora, sua filha recebeu apenas um pacote, o que, para ela, é insuficiente. ‘’Na escola Carlos Villalba, onde meus sobrinhos estudam, eles dão três pacotes de absorventes por mês, né? Três por mês! Já aqui, para a minha filha, deram só um desde que ela está matriculada, e isso foi no mês passado. Eles dizem que, quando ela estiver 'naqueles dias', ela deve ir até a secretaria e pedir". Ela ressalta que muitas famílias não têm condições de comprar absorventes para que as meninas usem em casa e levem para a escola.

 

No entanto, na escola a onde a filha estuda, as meninas só têm acesso aos absorventes quando chegam à unidade, já que essa é a forma adotada pela coordenação para distribuir os itens do programa Dignidade Menstrual.

 

"Mas e as mães que não têm como comprar? Não têm condições? Como é que a criança vai para a escola menstruada? Como é que ela chega na escola desse jeito? Eu acho isso errado. Se uma escola dá três pacotes de absorventes, acho que todas deveriam fazer o mesmo, não só entregar uma vez a cada três meses. Ou ter essa situação da criança tem que se submeter a essa vergonha de chegar e falar: 'Oi, tô sem absorvente, tem como me dar?' Para uma criança que acabou de menstruar, isso deve ser muito constrangedor’’, explica Luana.

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Era um constrangimento, uma vergonha

Pamela Carvalho Costa, 29 anos, que também é beneficiária do Bolsa Família, destaca a relevância do programa Dignidade Menstrual, não apenas pela disponibilização de absorventes, mas também pelo seu caráter educativo. Ela relembra como, em sua geração, o termo menstruação era tratado com grande constrangimento e vergonha. Pamela menciona que a mãe, como muitas mulheres da época, não discutia o assunto abertamente, o que tornava situações simples, como a compra de absorventes, algo vergonhoso.

Pamela é mãe da Yara Yasmin Carvalho Costa, de 13 anos, estudante do oitavo ano na Escola Municipal Professora Lenita de Sena Nachif e beneficiária do programa. Ela ressalta que a iniciativa não só facilita a inclusão de produtos menstruais na rotina da jovem, como também criou um ambiente propício para a compreensão e discussão sobre o ciclo menstrual.

Na qual possibilitou um diálogo mais saudável e informativo entre adolescentes e seus responsáveis.‘’Depois que fizeram esse programa, ajudou muito e desenvolveu bastante a mente e ajudou a gente também a conseguir explicar melhor para adolescente como funciona. Ajudou bastante nessa questão’’.

Pamela Carvalho Costa, 29 anos, cozinheiro

Pamela explica que, quando teve sua primeira menstruação, não contou com o apoio direto da mãe. Com muitos irmãos em casa e a mãe trabalhando intensamente durante o dia e a noite, o ambiente familiar não permitia conversas sobre o assunto.

Para evitar que a falta de comunicação que vivenciou no passado se repetisse com a própria filha, Pamela sempre buscou manter um diálogo aberto com Yara. Ela conta que, mesmo tentando abordar o tema de forma clara, enfrentou dificuldades quando a filha entrou no seu primeiro ciclo menstrual. “Eu sempre fui muito aberta com a Yara, sempre tivemos essa comunicação de mãe e filha. Mas a primeira vez foi um choque para nós duas. Eu não sabia exatamente como explicar para ela. Depois, ela ficou com vergonha, principalmente com medo de que acontecesse algo na escola e as outras pessoas soubessem. No início foi um pouco complicado”.

Pamela recorda como a filha compartilhou a primeira menstruação: “Ela chegou para mim e disse: 'Mãe, aconteceu algo comigo, está diferente.' E então eu disse que era normal, tentando explicar como funcionava o ciclo, os dias, e como deveríamos cuidar disso para monitorar e controlar juntos”.

Pamela Carvalho Costa, 29 anos, cozinheira

Yara relembra com constrangimento o momento em que teve o primeiro ciclo menstrual, ocorrida durante o período escolar. “Foi na escola, e eu fiquei muito nervosa. Só percebi o que havia acontecido quando cheguei em casa. Eu já tinha algum conhecimento sobre o assunto, mas ainda assim, a experiência me deixou bastante abalada. Foi uma situação difícil e cheia de nervosismo”, explica Yara, destacando a ansiedade de enfrentar um momento tão íntimo e inesperado fora de casa.

 

Ela explica que o conhecimento básico que tinha sobre a menstruação veio graças ao programa Dignidade Menstrual. Apesar da explicação ter ocorrido apenas uma vez, durante a entrega de seu primeiro pacote de absorventes, ela comenta como foi fundamental para entender o seu corpo naquele momento.

“Quando menstruei, fiquei sem saber o que estava acontecendo. Mas então me lembrei do que os professores explicaram no programa, sobre como funciona e o que esperar”. Yara ressalta que, além de o programa Dignidade Menstrual não promover um diálogo constante sobre a educação menstrual, a distribuição de absorventes é insuficiente.

 

Ela conta que, desde o início do ano, recebeu apenas um pacote de absorventes, que considera inadequado para suas necessidades. “A gente não teve muita conversa sobre isso. Eles apenas disseram que era para as meninas pegarem a mochila e levarem à coordenação. Mas os absorventes são pequenos e não suportam meu fluxo menstrual. Eles são bons apenas para usar no finalzinho do ciclo, quando já está quase acabando”.

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Essencial para muitas famílias

Erika Galbiati, de 35 anos, é mãe de Júlia Souza Galbiati, 14, aluna do 7º ano na Escola Municipal Padre Heitor Castoldi. Ela valoriza o impacto do programa Dignidade Menstrual, do qual sua filha é beneficiária. Embora sua família tenha condições financeiras para adquirir os produtos de higiene menstrual, Erika enfatiza a relevância do programa para famílias em situação de vulnerabilidade, que frequentemente enfrentam dificuldades para arcar com esses itens essenciais.

“Acompanhei as discussões sobre o projeto e considero a iniciativa extremamente positiva, pois muitas pessoas realmente não conseguem comprar absorventes mensalmente. Esse não é um item barato e, com frequência, a qualidade dos produtos acessíveis é bastante inferior. Quando minha filha me informou que estava recebendo absorventes pelo programa, soube que a proposta havia sido aprovada. Para nós, o impacto financeiro não é expressivo, pois conseguimos manter esse gasto, mas penso nas meninas que não dispõem dessa possibilidade e acredito que o acesso a esses produtos é um direito essencial”.

Para Erika, o programa contribui para desmistificar o tabu em torno da menstruação. Ela observa que, por causa disso, muitos pais não dialogam sobre o tema com seus filhos. “Acredito que é muito importante esse diálogo entre pais e filhos. Muitas vezes, os pais ficam envergonhados. Conheço pais que não sabem como conversar com suas filhas sobre esse assunto. Acho que o programa incentiva essa conversa, ajudando-os a abordar o tema com mais naturalidade”.

Ela também relembra sua própria experiência, pois não teve essa conversa com sua mãe. Talvez por considerar que Erika era estudiosa e bem informada, acreditava que a filha já dominava o tema.

Quando Júlia iniciou seu primeiro ciclo menstrual, já sabia o que esperar. "Ela se aproximou e disse: 'Mãe, aconteceu!' Fiquei emocionada com a confiança dela. Expliquei com calma como tudo funcionava, mostrei como usar o absorvente, e o momento se desenrolou de maneira tranquila e natural", relembra Erika.

 

Erika sempre compartilhou com Júlia a importância de não se envergonhar da menstruação, um aspecto natural da vida feminina que todas as mulheres experienciam. "Na minha juventude, eu sentia um grande constrangimento, especialmente durante os anos escolares. Essa sensação era bastante desafiadora.

 

Contudo, ao longo do tempo, compreendi que a menstruação é uma parte intrínseca da condição feminina. Perguntei a mim mesma: por que eu deveria me envergonhar de algo que é inerente a mim e que todas as mulheres vivenciam? Trata-se de um fenômeno natural e inevitável. Portanto, não há razão para carregar o fardo da vergonha." Para Erika, é necessário dividir essa trajetória de aceitação e empoderamento, a qual ela se empenha em transmitir isso à sua filha.

Erika Galbiati, 35 anos, fotografa 

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